Hoje fui às compras. Comprei um lugar. Um lugar que é um não-lugar, pois não me oferece qualquer identidade. Um lugar que não me permite ficar, apenas passar e desaparecer. É essa dinâmica que justifica sua existência. Um desaparecer que se repete, novo, a cada aparecer.
Há lugares que nos conduzem facilmente a esse não-lugar. Lugares que não estão no tempo-espaço onde se mostram, pois constituem apenas uma expressão suavemente concreta do presente. Só ficamos ali por um instante, e esse não-ficar pode fazer dele o lugar-não-lugar do pensamento.
Não se fica porque não se buscam identidades. Identidades congelam o pensar. São súditas da ordem. Pensar vai na contra-mão disso. Pensar é estar de passagem. É questionar a ordem, não sem maravilhar-se pelo fato dela existir, imaginando o que a fez possível, procurando em sua materialidade traços do movimento que a formou, imaginando a partir de seus registros o que supostamente a fez estabelecer-se e como isso poderia ter sido de outra forma.
É possível sentir o potencial desse pensamento circulando no ambiente construído, especialmente nas cidades antigas, nos edifícios históricos, como esse da foto, cujas fundações remontam ao século I a.C. No mesmo lugar, ele repetidas vezes renasce, nunca o mesmo. Essa falta-de-lugar no tempo é característica tornada visível pela arquitetura que faz o edifício pertencer a muitos tempos e, contudo, a nenhum especialmente.
Já o sujeito almeja a falta-de-lugar no espaço. Do contrário, ele seria árvore. Ele almeja o espaço criado pela falta-de-espaço, o espaço-entre, o intervalo de que é feito o pensamento; matéria-prima da ação que o leva longe. Esse espaço-entre é o espaço do desejo, onde ele pode cultivar sua liberdade, colher suas escolhas e, outra vez, partir.
p.s. Atualmente funciona nesse edifício o Museu Machado de Castro. Coimbra, Portugal.
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