segunda-feira, 8 de julho de 2013

A espera



Hoje fui às compras. Comprei a espera. Espera só existe uma; sua matéria prima é o tempo. Por isso ela é monstruosa. Mas, sim, há vários modelos disponíveis. Escolhi não o mais complexo, mas um que demanda alguns acessórios. Acessórios são mais que adornos, pois ornam e também têm função. São os acessórios que afastam a espera da sua crueza e da sua crueldade.

O primeiro deles - e indispensável - é o que a permite parecer suspensa no tempo. Você, que está esperando, parece sentir a espera passar sob sua existência enquanto se suspende em outra esfera. Fica tudo virtual, inclusive você. O que parece ser a espera é o próprio tempo, passando. O que mais próximo que chega a isso no mundo material é a rede. Aquela, que prendemos entre dois pilares, e restamos pendurados, suspensos sobre o tempo que corre abaixo, lentamente. Tanto que dá preguiça só de ver. É quase um Facebook. Mas há uma versão intermediária entre o material e o imaterial: é João Gilberto com sua voz suspensa entre as cordas do violão. Esse, dá vontade de vir ver.

O segundo acessório é um aparelho que torna a espera visível. Visível não como uma foto ou um filme, mas como um fenômeno. Um fenômeno interno ao corpo e ao que se instala entre a percepção e a consciência. Assim somos capazes de ver que não temos fome quando temos, que nos entusiasmamos e nos desentusiasmamos com a intensidade e a efemeridade de uma faísca, que sofremos de angústia como uma chama. Sabemos que vai-se apagar um dia, e que em seu lugar deixará uma brasa mais eficiente que ela mesma. Mas como dói. Vale dizer que esse acessório, sem o anterior, não faz o menor sentido pois só aumenta a aflição. Mas se estivermos suspensos vendo o fenômeno passar como externo, aí estamos vendo o carnaval da arquibancada. Sentimos a vibração, balançamos o corpo, mas a alma não ferve a derreter-se.

Outro acessório é um transferidor de espera. Ele nada mais faz que alterar seu ângulo de atuação. De aguda torna-se obtusa. De obtusa torna-se oclusa e, mais um pouco, enevoada. A quina do ângulo some e é necessário quase um processo cirúrgico para tirar a espera desse lugar. Mas por que comprar um acessório que esconde a própria coisa? Eu já vi querer esconder-se a si mesmo do monstro para poder derrotá-lo à espreita, mas não esconder o monstro para poder passar assoviando, como se ele não estivesse lá. É, mas a única coisa que acaba com a espera é aquilo de que ela mesma é feita. Credo! Falando assim parece até que comprei o próprio capitalismo...

A questão é que esse acessório vem grátis com a compra dos outros dois. É claro que quando algo vem de graça não carrega só virtudes. O monstro da espera torna-se invisível mas, quando esse acessório está ativo, anula a ação dos outros. Seria ótimo mesmo poder ficar sobre a rede, vendo nada passar por baixo. Seria só eu e a rede, sem a noção do que se esvai potencialmente por entre os dedos. Sem sequer a sensação da angústia como fenômeno visível, pois seu espectro estaria anulado pelo terceiro acessório. Mas não há essa opção. Brinquedo chato. Canso e vou dormir com a esperança de não sonhar com isso.

p.s A foto é para lembrar que ainda restam coisas que passam rápido no mundo, mesmo estando lá todos os dias e sendo invisíveis, às vezes.

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