Hoje fui às compras. Aproveitando as férias forçadas, comprei um passeio
por três conceitos. O pacote só anunciava um, os demais vinham a reboque,
inadvertidamente.
Diante das circunstâncias, nada mais apropriado que passear pelo conceito freudiano de "Luto", e tentar entender o que isso quer dizer. A primeira apreciação da paisagem do Luto nos mostra que ele tem um companheiro que não o abandona desde o primeiro instante: o Trabalho. Formam uma dupla inseparável, pois em se tratando de Luto, é do Trabalho do Luto que estamos falando. Como tudo o que envolve trabalho, há um investimento de energia psíquica nesse processo; dedicamo-nos a ele, consciente e inconscientemente. Claro que, quanto maior a parcela de consciência investida, melhores os resultados, mas a parcela inconsciente é inevitável. O objetivo do Trabalho do Luto é admitir viver sem o ente-objeto perdido, conseguir renunciar à sua companhia, assumir sua ausência declarando-o morto, assumindo também a vida que continua apesar e para além dele. Vale lembrar que a morte sobre a qual Trabalha o Luto pode ser literal ou simbólica, pois se aplica inclusive à perda de algo que não morreu de fato e também a abstrações como a pátria, a liberdade, um ideal, uma ilusão. Um dos efeitos do Trabalho do Luto praticado por um sujeito é o estabelecimento e a aceitação de uma distância entre ele próprio e o alvo, agora inerte, de seu amor. Sabe-se que essa distância é lugar por excelência para o cultivo da capacidade crítica na análise de si e da realidade em que se insere. É nessa distância que o sujeito se investiga em relação às coisas, e isso ocorre ao longo de um amplo e lento processo que envolve a transformação de suas relações com a realidade e das significações imbuídas nessas relações.
Diante das circunstâncias, nada mais apropriado que passear pelo conceito freudiano de "Luto", e tentar entender o que isso quer dizer. A primeira apreciação da paisagem do Luto nos mostra que ele tem um companheiro que não o abandona desde o primeiro instante: o Trabalho. Formam uma dupla inseparável, pois em se tratando de Luto, é do Trabalho do Luto que estamos falando. Como tudo o que envolve trabalho, há um investimento de energia psíquica nesse processo; dedicamo-nos a ele, consciente e inconscientemente. Claro que, quanto maior a parcela de consciência investida, melhores os resultados, mas a parcela inconsciente é inevitável. O objetivo do Trabalho do Luto é admitir viver sem o ente-objeto perdido, conseguir renunciar à sua companhia, assumir sua ausência declarando-o morto, assumindo também a vida que continua apesar e para além dele. Vale lembrar que a morte sobre a qual Trabalha o Luto pode ser literal ou simbólica, pois se aplica inclusive à perda de algo que não morreu de fato e também a abstrações como a pátria, a liberdade, um ideal, uma ilusão. Um dos efeitos do Trabalho do Luto praticado por um sujeito é o estabelecimento e a aceitação de uma distância entre ele próprio e o alvo, agora inerte, de seu amor. Sabe-se que essa distância é lugar por excelência para o cultivo da capacidade crítica na análise de si e da realidade em que se insere. É nessa distância que o sujeito se investiga em relação às coisas, e isso ocorre ao longo de um amplo e lento processo que envolve a transformação de suas relações com a realidade e das significações imbuídas nessas relações.
É sabido que as investigações de Freud
sobre os conceitos psíquicos frequentemente se apoiam na comparação e no
contraste. Averiguando elementos que em alguns pontos se articulam e em outros se
afastam, ele nos coloca diante de paisagens surpreendentes. Isso ocorre, por
exemplo, no momento em que vemos relacionados três conceitos: "Luto",
"Melancolia" e "Mania". É importante lembrar que, aquilo
que conceitualmente se mostra de forma isolada e relativamente clara, na
prática se apresenta geralmente enovelado; como uma mescla a demandar tempo, paciência e diligência na distinção e identificação do que a compõe. Entre os pontos de articulação desses
conceitos, Freud entende que a Melancolia também envolve Trabalho, mas os
resultados deste diferem dos almejados pelo Trabalho do Luto. Se a superação do
Luto pode devolver o sujeito a um esquema regular de relação com a realidade,
os efeitos da Melancolia são bem mais complexos. Entre os efeitos possíveis do
Trabalho da Melancolia estão o de levar o sujeito a substituir aquele
"objeto perdido" por outro, transferindo sua afecção junto com seu
afeto. A Melancolia também não está livre de questões relacionadas a afetos
inconscientemente abandonados, que podem inclusive ter sido substituídos por
outros afetos, tornando mais complexa sua análise e identificação. Enquanto o
Trabalho do Luto almeja resolver a questão, o da Melancolia parece pretender
criptografá-la, tornando-a inacessível e indecifrável tanto quanto possível. Nessa tarefa, a
Melancolia conta com sua amiga de longa data, a Mania. Apesar de serem ambas
geradas e alimentadas pelo Reprimido - instância de importância fundamental à
compreensão das afecções psíquicas e psicossomáticas - elas são radicalmente
diferentes nos sintomas que apresentam, e se revezam em aparições que tornam o
processo, e seus efeitos, ainda mais confusos e dissimulados. Por que esse revezamento? Porque
a Mania tem o papel de suspender a relação com a distância crítica, fazendo com
que permaneçam ocultos ao sujeito tanto o objeto do afeto e sua significação, quanto a necessidade
de trabalhar sobre sua perda. Correndo na esteira da Mania, o sujeito se
distrai e se desvia, investindo sua energia não no Trabalho do Luto, mas no que
o mantém disfarçadamente inerte quanto ao que deveria ser objeto de sua reflexão e
ação.
O Trabalho da Melancolia também é
demorado, como o do Luto; de lento progresso. Mas o desenlace característico da
Melancolia é que o investimento de energia anteriormente ligado ao objeto
desconecta-se dele e retorna ao sujeito. Assim, o investimento não é eliminado originando
a distância crítica - esta tão importante para o aprimoramento do sujeito e de
sua relação com a realidade - mas liga-se ao sujeito, evitando o estabelecimento dessa distância crítica. Assim, ao término do Trabalho da
Melancolia, o sujeito pode se achar ainda mais convencido de sua supremacia
diante da realidade. O que vale para ele é o que ele vê e não o que efetivamente se passa. Para reforçar essa posição, a Melancolia convoca a Mania,
e o alívio da suspensão que ela provoca torna-se condição para a sobrevivência do
sujeito.
O Luto foi decretado. Essa medida,
talvez necessária, está longe de ser suficiente para que o Trabalho comece. Com
o tempo, será possível saber se o que predominou foi o Trabalho do Luto ou da
Melancolia. Se for desta, à Mania caberá anunciar.
p.s. Em sinal de Luto, este post não tem imagem. O Trabalho do Luto tratará de criá-la em nossa imaginação.
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Volume 12. Luto e Melancolia. [Trauer und Melancholie ](1917 [1915]).
In: Introdução ao Narcisismo, ensaios de
metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das
Letras, 2010. Pag. 170-194.
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