quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Paragem, adiantamento.


Hoje fui às compras. Comprei uma passagem. Não um lugar numa nau, mas um percorrer, um estar-a-viajar. Uma passagem de graça, para a graça nada gratuita de embarcar num transtemporal atracado na Pça 7. Transformidável, temperado de cores e Drummonds para apimentar e tirar lágrimas dos olhos. Transabsoluto, advindo do Cais de Pessoa, para onde se está sempre de partida. Transôntico, recheado de objetos e estruturas transcendentais. Transposto, transpirado.  Transklimt, transpicasso. Transfluido, mas de um concreto transantecipado de um Brutalismo Baumgartiano que inspira. Na fluidez do concreto, uma duração. Na precisão de uma vida, um Portinari. Na dureza do mundo, uma multidão.

p.s. A imagem é do Friso Beethoven, que Klimt pintou em 1902. Como não ver em Guerra e Paz esses cabelos, essa profusão, esse aprendizado? Como não ver Guernica, em Guerra, e Alegria, na Paz? Como aprender com os mestres sem esquecer que "a realização mais suprema e rara consiste não em descobrir o desconhecido, mas em explorar a existência diária, as possibilidades abertas a todos para a máxima riqueza de seu potencial de realização enquanto ser humano"? É, Nietzsche, infelizmente você não viu, mas assim pintou Portinari. 


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"Pórtico partido para o impossível"


Hoje fui às compras. Comprei um portal mágico através do qual trocam-se e compartilham-se objetos transcendentais. É como se os sentidos se materializassem em todos os sentidos. Algo de que você fala e que o outro passa a ver, sentindo. Algo sobre o que se ouve tornando-se possível tocá-lo. Algo que te toca e te faz sair da toca pela via do outro. Que toca pra longe o isolamento-nosso-de-cada-dia, que tantas vezes insiste em não haver, havendo.

p.s. O título é de Pessoa, em "Tabacaria", a quem devo "a caligrafia rápida desses versos". Disponível em http://arquivopessoa.net/textos/163

A foto é de uma das Puertas del Uruguay, que tanto me encantaram e sobre as quais o portal mágico um dia me trará um livro com esse título, ainda que eu tenha eu mesma que escrevê-lo.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Esgotamento


Hoje fui às compras. Comprei esgotamento. Assim, sem artigo definido ou indefinido. Puro em sua mistura de sentidos. Esgotamento remete à ideia sanitarista de canalizar restos, delineando seus limites mas assumindo seu direito de fluir. Nem sempre esse fluxo tem um conteúdo tratado, trabalhado, transformado. Do esforço de transformação brotam outros sentidos para esgotamento. Esgotamento enquanto escoamento, destinação. Esgotamento precedido por descarga, já que um não é sem o outro, mas onde a descarga não representa finalidade, apenas; sob pena de tornar-se fetiche. A descarga é princípio, não necessariamente início, de um percurso que não termina. Princípio que não é sem o que representa: a possibilidade de não largar restos a céu aberto virando sintomas. Sem trabalho, esgotamento vira oximoro e carrega em si seu contrário: o esgotamento da capacidade de transformação. Trabalhar o escoamento em forma e conteúdo possibilita aos sujeitos desviarem-se das determinações da natureza através de percursos por eles inventados, cujos efeitos remetem à construção de possíveis novos modos de vida.

Obs.: A foto é obra de uma colega que pratica a arte da engenharia com amor. A área do aglomerado linearmente contígua ao cemitério será transformada em uma via com esgotamento e drenagem. Bairro Cabana, BH, 30/10/2013.