sábado, 26 de outubro de 2013

Novo trabalho


Hoje fui às compras. Comprei um novo trabalho - e pelo preço de uma inscrição em concurso. Isso significa que comprei um lugar no mundo, incluindo um prédio recheado de pessoas interessantes no bairro em que vivi minha adolescência. "Tudo ido e lido e lindo, e vindo do vivido da minha adolescidade, idade de pedra e paz" diz Caetano; e eu endosso. Apesar de passar por esta esquina com frequência, nunca tinha reparado no aconchegante café instalado no térreo, algo que faz parecer estarmos hospedados em um agradável hotel familiar, apesar de não tão pequeno. Talvez como a própria Belo Horizonte pretendeu-se, um dia. A questão é cuidar para que ela não perca de todo essa graça, que é parte da personalidade de uma cidade criada no berço do modernismo e que, um século depois, insiste em não enterrá-lo, apesar de morto. É tempo de favorecer a organicidade que nos articula aos lugares a partir dos sentidos: o cheirar, o caminhar, o sentar-se, o prazer de fazer tudo isso sob as árvores em sombra e flor, o contato da pele de cada um - e das roupas e das solas dos sapatos - com os acabamentos e formas que compõem a pele do ambiente construído. O gosto do café com pão-de-queijo das esquinas, o olhar a paisagem urbana querendo mesmo compreendê-la; o olhar das pessoas que, olhando-a, vêm-se também a si mesmas - tanto individual quanto coletivamente - até construírem uma voz. Aprimorar essa capacidade de envolver-se pode tornar-nos menos analfabetos em urbanidade e sentimento de pertença. Lembro-me de ter lido sobre um garoto lisboeta que mostra ser mestre nessa arte. Indagado sobre de que parte da cidade ele é, afirma categórico: "De toda". Instigar essa eloquência sinédoque parece ser o efeito invisível mais importante desse novo trabalho em que mergulho.

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