Hoje fui às compras. Comprei um novo trabalho - e pelo preço
de uma inscrição em concurso. Isso significa que comprei um lugar no mundo, incluindo
um prédio recheado de pessoas interessantes no bairro em que vivi minha adolescência.
"Tudo ido e lido e lindo, e vindo do vivido da minha adolescidade, idade de pedra e paz" diz
Caetano; e eu endosso. Apesar de passar por esta esquina com frequência, nunca
tinha reparado no aconchegante café instalado no térreo, algo que faz parecer
estarmos hospedados em um agradável hotel familiar, apesar de não tão pequeno.
Talvez como a própria Belo Horizonte pretendeu-se, um dia. A questão é cuidar
para que ela não perca de todo essa graça, que é parte da personalidade de uma
cidade criada no berço do modernismo e que, um século depois, insiste em não
enterrá-lo, apesar de morto. É tempo de favorecer a organicidade que nos articula
aos lugares a partir dos sentidos: o cheirar, o caminhar, o sentar-se, o prazer
de fazer tudo isso sob as árvores em sombra e flor, o contato da pele de cada
um - e das roupas e das solas dos sapatos - com os acabamentos e formas que compõem
a pele do ambiente construído. O gosto do café com pão-de-queijo das esquinas,
o olhar a paisagem urbana querendo mesmo compreendê-la; o olhar das pessoas
que, olhando-a, vêm-se também a si mesmas - tanto individual quanto
coletivamente - até construírem uma voz. Aprimorar essa capacidade de
envolver-se pode tornar-nos menos analfabetos em urbanidade e sentimento de pertença.
Lembro-me de ter lido sobre um garoto lisboeta que mostra ser mestre nessa arte. Indagado
sobre de que parte da cidade ele é, afirma categórico: "De toda". Instigar
essa eloquência sinédoque parece ser o efeito invisível mais importante desse novo
trabalho em que mergulho.
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