Hoje fui às compras. Comprei uma imagem do que viam, antes, meus olhos. Só para contrastar com as cores e as minúcias que vejo agora, de longe. Abelhas em festa na amoreira em flor. Lagarto estendido ao sol, olhos esbugalhados, cabeça que vai e vem, e a língua também. Coelhos que sabem que são vistos, e tremem focinhos, fingem falar. Parece que ganhei uma lupa trabalhando dentro da minha cabeça. Ou virei Alice, fiquei pequena e estou tão nas coisas quanto elas em mim. Tenho nos olhos um produto do progresso da ciência e da técnica e da arte de Raíssa. Um artifício que rememora o esforço e reforça o que há de mais humano no homem: sua capacidade de pasmar-se. Agora passo horas só olhando, olhando. Quem quiser ter olho grande, tenha, mas os meus são acrilíricos; dão um nó no tempo, e só enxergam poesia e amor.
p.s. A imagem primaveril é do pintor inglês J.W.Waterhouse.
p.s. As aspas do título fazem-me devê-lo a Caetano, que inventou esta palavra em texto esplêndido de 1969. Pode-se ter acesso a ele em http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/371.