Ontem não fui às compras. A ideia
era providenciar um presente para uma amiga muito querida que fazia
aniversário. Não saberia o que comprar, então decidi produzir algo; a que dei o
nome de Reconhecimento. Evidentemente ela não precisa disso, mas pode ser
tentador colecionar mimos que não ocupem espaço.
Não é a primeira vez que faço
isso em relação a ela. Nosso raggionare
amichevole já foi reconhecido em outro instrumento de troca que produzimos
juntas. Mas hoje vamos além. Reconhecer a importância do que a existência
e presença de alguém constrói em nós pode ser uma tarefa extremamente fácil e
agradável, mas cuja exposição não dispensa alguma clareza, nem que seja a meramente
cronológica.
Nossas primeiras trocas
aconteceram quanto ela me ofereceu a mão depois de uma queda imensa que sofri.
Aos poucos, ajudou-me a reconstruir o chão que sob meus pés parecia insistentemente
esvair-se. Inicialmente construímos estruturas de suporte imediato e, guiadas
por sua cautela, paciência e perseverança, pudemos paulatinamente erguer novas
estruturas sobre aquelas parcialmente destruídas e sobre um solo mais firme que
aos poucos fazíamos existir.
Erguido o corpo, capaz então de
caminhar com suas próprias pernas, era necessário fazer com que a cabeça também
se erguesse tornando-se passível de produzir alguma dignidade. Esse é, sim, um
trabalho que nunca termina, mas que em algum momento precisa começar. Isso
também não tem como acontecer sem ajuda de alguém reconhecidamente esclarecido
a respeito de todo esse processo, alguém cuja capacidade de lidar com as
limitações e resistências do outro ultrapassem o talento, a habilidade, a
dedicação, de uma maneira que eu não saberia converter em palavras.
Consigo apenas dizer que o solo
firme que construímos tem se oferecido como lugar para uma pista de decolagem,
onde a cabeça erguida começa a querer enxergar e agir para além do horizonte
visível. A construção dessas estruturas a um só tempo firmes e
flexíveis - que você favorece a cada incursão - ajudam a produzir a
coragem de alçar vôos não-lineares, topológicos; que não se abstêm do contato
nem com a multiplicidade da própria subjetividade, nem com a das realidades em
que nos inserimos ou almejamos produzir, nem com o que pode haver nos interstícios desses trajetos. Não se trata apenas do reconhecimento
da ação e do terreno, mas da disposição que se amplia e se fortalece ao procurar re-conhecê-los.