Hoje fui às compras. Comprei uma biblioteca-anti-biblioteca.
Claro que não se chama assim. Li tudo o que consegui sobre o equipamento antes,
mas nada falava que sua característica mais sombria era esse oximoro que seu
nome mostra, mas não evidencia. Um nome que sugere exatamente o contrário do que parece dizer.
Podemos consultar o dicionário sem esforço ao longo da leitura, é verdade, e mesmo uma enciclopédia on-line, mas não podemos tirar xerox de uma página para rabiscar comentários com nossa própria letra. Não pagamos frete de nada, mas não podemos inserir nele uma de nossas relíquias celulósicas que queremos ler em condições adversas de iluminação; situação para a qual esse equipamento mostra-se realmente inigualável.
Podemos ter acesso a um conteúdo gratuito, é verdade, e isso pode ser suficiente para uma vida inteira. Mas ache um livro que pode interessar a mais alguém além de você, e poderá compartilhar fragmentos nas redes virtuais, mas não emprestá-lo, pois isso significaria emprestar sua biblioteca inteira de uma vez só. Ora, ninguém quer isso! Nem você, nem o outro! Mas aquela alegria de dizer ao colega "Tenho um livro que vai te interessar, vou trazê-lo para você!" ou fazer simplesmente uma surpresa com algo que você acha que vai agradar; isso terminou. Para lê-lo, ele terá que comprá-lo. A biblioteca de quase 500 volumes que carrego no bolso do casaco não pode ser emprestada para ninguém. O máximo que posso fazer é propaganda não remunerada de conteúdos que acumulo só para mim.
p.s. O oximoro é uma figura de linguagem que torna vizinhas
palavras que se opõem, como "infiel fidelidade", por exemplo. A
inquietante estranheza da modernidade não poupa nem esses redutos que ainda
guardavam algo da importância da reunião, do diálogo e da alegria of kindly sharing.