sábado, 16 de agosto de 2014

Arrudeio


Hoje fui às compras. Diante do buraco que se abriu à minha frente, escolhi inventar um jeito de delinear seus limites com meus passos, com meus gestos. Nessa costura, aprendi a fazer um artefato que representa a quadridimensionalidade desse buraco, desse vazio, desse desconhecido que me propus enfrentar. Na sequência, e já mais tranquila, aventurei-me na confecção de algo novo, para a família inteira, em um dia festivo. Para enfrentar esse desafio, mergulhei no oráculo da internet e descolei uma receita a ser seguida. Como seria diferente se a vida fosse assim também... Receitas prontas, que dão certo, e fim. 

Mergulhada em outro buraco, o do supermercado, delimitei o quanto queria gastar e fui às compras. Ocupei as mãos e a cabeça para esquecer aquele primeiro buraco, mas produzi para a sobremesa um bolo enorme, escuro e cilíndrico. Já o produto da receita, o prato principal, foi algo que chamei de economiaki, pois muito do que estava de bobeira na geladeira foi ali aproveitado. Mas seu nome oficial é Okonomiaki. Apesar de ser um nome japonês, foi inevitável ligá-lo etimologicamente aos termos gregos oikos (casa) e nomos (organização, limites, proteção). 

Quem sabia que arrodeando a angústia que me afligia, acabei escolhendo inventar jeitos de pôr ordem na casa? Investi tempo e energia, mas encontrei um monte de "ariticuns maduros"* e pluriquadridimensionais; têm cheiro, sabor, textura, graça, dinamismo, cor...

* Referência a Manoel de Barros. "[...] pois é nos desvios que encontra as maiores surpresas e os ariticuns maduros" 
Fonte: BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Disponível em http://comvest.uepb.edu.br/concursos/vestibulares/vest2013/Manuel_de_BarrosO_Livro_Das_Ignoracas.pdf. Acesso em 16/08/2014.